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A formulação de perguntas

Março 6, 2010

In reality, questioning people is more like trying to catch a particularly elusive fish, by casting different kinds of bait at different depths, without knowing what is going on beneath the surface!

Oppenheim (120-121)

Para que se possa responder a um inquérito primeiro precisamos de compreender cada uma das palavras da mesma forma que o investigador as entende e só depois podemos interpretar as perguntas. Existem dois níveis na compreensão das frases: o primeiro constitui aquilo a que tecnicamente se chama análise (onde se realiza a análise estrura sintática); o segundo é a análise do significado da frase (cf. Eysenck e Keane: 335-362). O problema é que o significado das palavras, mesmo das mais comuns, pode não ser partilhado (Foddy: 38-39).

As men have known throughout the ages and as modern semantics has pointed out in detail, the meaning of even the simplest word can be slippery. When we add to the ordinary problem of verbal communication the additional problem of presenting a meaning to groups of people widely separated in background, experience, estimations and terminologies peculiar to interest or occupational groups, the difficulty confronting a public opinion investigator becomes clear (Cantril e Fried citado por Foddy: 39)

Foddy refere quatro factores que influenciam a compreensão das perguntas num questionário: a evolução de subtis significados em contextos específicos, a sua dificuldade relativa, falta de referentes empíricos claros e a existência de cambiantes subtis entre palavras aparentemente similares.

Os contextos

Em relação ao primeiro aspecto, Foddy dá como exemplo a utilização da palavra “chá”: enquanto que para um inglês “chá” se refere a uma refeição, os americanos usam-na para se referirem a uma bebida (Foddy: 40). E mesmo palavras que parecem ter um mesmo significado em todo o lado podem trazer problemas inexperados.

Foddy apresenta o exemplo o conceito de “idade”: para a maioria dos adolescentes, uma pessoa com mais de quarenta anos é velha, enquanto que para alguém com sessenta anos uma pessoa velha se refere a alguém com mais de oitenta anos (Foddy: 40). Um problema semelhante existe com o conceito de rendimento. Ou seja, quando prepara o inquérito, o investigador tem de ter a certeza da forma como os respondentes interpretarão as palavras chave das perguntas.

A própria ênfase dada a determinadas palavras pode alterar o significado da pergunta (exemplo tirado de Lazarsfeld, citado por Foddy: 41):

  • Por que é que compraste esse livro?” – Transmite surpresa ou desaprovação.
  • “Por que é que compraste esse livro?” – Transmite o desejo de uma explicação dessa acção.
  • “Por que é que compraste esse livro?” – Diz respeito um livro em particular e não qualquer livro.
  • “Por que é que compraste esse livro?” – Transmite o desejo de uma explicação: por que é que se gastou o dinheiro desta forma e não de outra.

A dificuldade das palavras

A dificuldade das palavras afecta igualmente a compreensão dos respondentes. Para alguns investigadores, o aumento da dificuldade das palavras numa pergunta aumenta a possibilidade de o respondente se sentir ameaçado e de este responder “Não sei”. A dificuldade vocabular (por exemplo, número médio de sílabas por palavra) pode levar à escolha da última opção apresentada (Foddy: 41). Este problema é particularmente importante quando os respondentes são crianças uma vez que elas diferirem dos adultos em termos das suas capacidades cognitivas e linguísticas (Cohen, Manion e Morrison, 2007: 374).

Em relação ao assunto, Foddy diz o seguinte:

When potentially difficult words (e.g. words that are not commonly used or have a technical meaning) have to be included, it is clear that they should be defined for respondents. (p. 41)

Oppenheim reforça esta ideia:

(…) we should avoid humiliating respondents, baffling them with terminology, patronizing them or making them feel in the wrong. (p. 122)

No que diz respeito às crianças será importante relembrar Baddeley e Gathercole:

Between infancy and adulthood, there is a dramatic increase in an individual’s ability to retain temporarily verbal material such as new word or a list of numbers. The most convenient and widely used index of this development increae is provided by auditory digit span, which is the maximum number of spoken digits that someone can immediately remember and repeat back in the same order. An average four-year-old child has a span of between two and three digits. Ten years later, he or she will have a digit span of about seven digits (…). Short-term memory of purely visual material undergoes a similar increase during the same development period. (p. 25)

Falta de referenciais empíricos

Segundo Cannell, citado por Foddy (p. 42), quando existem mais de uma possível interpretação para uma pergunta, o respondente necessita de pensar nas várias interpretações possíveis e decidir qual a interpretação que vai usar. Isto significa que quanto mais genérica for a pergunta maior será o número de interpretações possíveis.

Quando se elaboram as perguntas devemos evitar utilizar palavras com múltiplos significados uma vez que isso torna-as mais ambíguas. Foddy apresenta algumas palavras com as quais devemos ter cuidado na formulação das perguntas. Algumas destas palavras são comuns: bom, mau, aprovar, desaprovar, concordar, discordar, gostar, detestar, regularmente, habitualmente, frequentemente, poucas vezes, raramente…

To make matters more complex, the ways in which many of these words are to be interpreted are dependent upon the topics with which they are paired. Thus, “once a day” may be “very often” when one is talking about haircuts but not “very often” when one is talking about brushing one’s teeth. (Foddy: 44)

A solução é usar palavras que sejam o mais específico e concreto possível.

Complexidades estruturais

A interpretação de uma pergunta é igualmente influenciada pela complexidade da sua estrutura. Aqui incluem-se, por exemplo, o número de palavras utilizadas na formulação das perguntas, a complexidade gramatical e o uso de negativas.

Número de palavras utilizado

Payne descobriu que os respondentes têm problemas com a ordem das opções apresentadas quando o número de palavras utilizadas na formulação da pergunta é maior do que vinte. Molenaar considera que perguntas curtas reduzem a possibilidade de se obter respostas diferentes.

Bowling refere que

when questions are presented orally (as in face-to-face or telephone interviews) respondents tend to begin processing the final response option offered (while they still recall it) and, where agreeable, they select that option (recency effects). (287)

O efeito de recência é a tendência que temos para nos lembramos das últimas cinco ou seis palavras de uma lista (cf. Reisberg: 145-148; Eysenck & Keane: 154 e 545).

Complexidade gramatical

Problemas com a complexidade gramatical incluem fazer-se duas ou mais perguntas numa só e o uso de negativas.

Foddy recomenda que, em vez de se perguntar “Viu ou ouviu alguma coisa?” devemos desdobrar a pergunta em “Viu alguma coisa?” e “Ouviu alguma coisa?”. Para este autor devemos igualmente evitar perguntas do género “Em quem pensa votar nas próximas eleições?” já que, na realidade, se trata de duas perguntas numa só (a primeira, “Vai votar nas próximas eleições?”, está implicita). Neste último caso devemos fazer a seguinte sequência de perguntas:

Esquema para uma dupla pergunta

Uso de negativas

Muitos autores desaconselham o uso de duplas negativas uma vez que elas terão de ser traduzidas para positivas. (Foddy: 49) apresenta o seguinte exemplo:

Qual é a sua opinião sobre a afirmação que os conservacionistas não devem ser tão pouco cooperantes com o governo?

que terá de ser traduzida para

Qual é a sua opinião sobre a afirmação que os conservacionistas devem cooperar com o governo?

Mas, às vezes, as próprias negativas simples podem causar dificuldades. Por exemplo, a pergunta “Não vai ao cinema?” é mais difícil do que mesma pergunta feita na sua forma positiva (“Vai ao cinema?”).

Categorias de perguntas difíceis

Foddy (p. 51) apresenta as seguintes categorias de perguntas difíceis segundo Belson:

  1. Duas perguntas apresentadas como uma (por exemplo, “Que marca usa ou muda de marca frequentemente?”).
  2. Perguntas com muitas palavras significativas (por exemplo, “Quantos pacotes de cada tamanho comprou?”).
  3. Perguntas com múltiplas ideias ou assuntos (por exemplo, “Quais foram as que ouviu falar ou comprou?”).
  4. Perguntas que incluam palavras difíceis ou que não sejam familiares.
  5. Perguntas que contenham uma ou mais instruções (por exemplo, “Não inclua X na sua resposta”).
  6. Perguntas que comecem com palavras que as pretendam suavizar (por exemplo, “Importa-se de…”).
  7. Perguntas com frases difíceis.
  8. Perguntas hipotéticas.
  9. Perguntas que dependem de outras anteriores para fazerem sentido (por exemplo, P1 – “Comprou uma cópia de X?”; P2 – “Onde é que ela está?”).
  10. Perguntas com elementos negativos.
  11. Perguntas invertidas (por exemplo, “Os que comprou da última vez, onde é que eles estão?”).
  12. Perguntas demasiado longas.
  13. Perguntas que incluam verbos no presente e no pretérito.
  14. Perguntas em que é utilizado o singular e o plural.

Referências

Bowling, A. (2005). Mode of questionnaire administration can have serious effects on data quality. Journal of Public Health, 27 (3). Acedido em 20 de Janeiro de 2010 em http://jpubhealth.oxfordjournals.org/cgi/reprint/27/3/281

Cohen, L., Manion, L., & Morrison, K. (2007). Research methods in education (6ª Ed ed.). Londres: Routledge.

Eysenck, M. W., & Keane, M. T. (2003). Cognitive Psychology: a Student’s Handbook (4ª ed.). Hove, East Sussex: Psychology Press Ltd.

Foddy, W. (2001). Constructing questions for interviews and questionaires: Theory and practice in social research. Cambridge: Cambridge University Press.

Gathercole, S. E. & Baddeley, A. D. (2003). Working memory and language. Hove, East Sussex: Psychology Press Ltd.

Oppenheim, A. N. (2009). Questionnaire design, interviewing and attiude measurement. Londres: Continuum.

Reisberg, D. (2006). Cognition: Exploring the Science of the Mind (3ª ed.). Nova Iorque: W. W. Norton & Company Inc.

From → Metodologias

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